domingo, 30 de outubro de 2011

APOIOS DE FUNÇÃO - A DECISÃO DE JOSÉ CESÁRIO (in Diário de Viseu)

Todos vivemos dias difíceis. A crise internacional afectou-nos de modo particularmente intenso. Nos últimos 12 anos já tínhamos recuperado duas vezes de situações de desequilíbrio das contas públicas, de forte desemprego, de défice elevado, de falência de empresas e salários em atraso.
António Guterres resolveu a crise em que Cavaco Silva deixou o país, nos “idos” de 1995. José Sócrates fez o mesmo depois dos governos Durão Barroso, Paulo Portas e Santana Lopes, em 2005. Em qualquer dos casos os socialistas recuperaram as contas públicas, houve crescimento e os défices caíram abaixo dos 3%, os mais baixos de sempre.
A partir de 2008 tudo foi diferente. O mundo abanou com forte intensidade e o tremor de terra ainda não parou. A Itália, Espanha, França ou Bélgica, são exemplos das preocupações mais fortes e mais próximas, e o epicentro americano continua também em convulsões telúricas intermináveis.
Como consequência, os povos sofrem e o que se passa entre nós é particularmente exigente. Felizmente, o Presidente da República percebeu que as agências de rating são um mal e não um bem; o actual governo, até há poucos dias oposição, já entendeu o mesmo e ficou a saber que, “lá por ser de direita”, os mercados lhe deram o tratamento normal de quem faz do dinheiro a sua pátria.
A diabolização do governo anterior não trouxe crescimento económico. Pelo contrário. Nunca os juros foram tão altos, a recessão tão forte, o desemprego tão brutal e os impostos tão injustos, cegos e ao arrepio de qualquer promessa eleitoral. Hoje, passados quatro meses, estamos pior, muito pior. E o governo não tem emenda!
Tudo isto para explicar o “clima de descontentamento” com uma coisa simples: a exploração mediática dos subsídios de residência para os governantes que moram a mais de 100 kms de Lisboa.
Trabalhei na Junta Central das Casas do Povo, em Coimbra, fui professor nas universidades de Aveiro e Católica, mas a minha residência foi sempre Viseu. Todas as despesas de deslocação, alimentação ou dormida foram suportadas pelo meu vencimento. E não poderia ser de outra forma. Era a minha actividade profissional.
Um governante desempenha uma “missão de soberania temporária” que lhe exige disponibilidade total, direito de reserva e discrição, múltiplos contactos e acções específicas no seu gabinete e em todo o país, com todas as pessoas e entidades. Essa missão precisa de apoios especiais, de secretariado, de assessoria, de transporte e também de residência, nas circunstâncias referidas. Sempre foi assim e não deverá ser de outro modo.
A ligeireza mediática vende jornais, explora sentimentos populistas, mas corta relações com a responsabilidade. Um vendedor de medicamentos, automóveis, tintas ou vernizes, de roupas, de candeeiros ou de qualquer outro produto, tem direito a um carro, dormida e refeições pagas, um telemóvel, enfim, as “ferramentas” indispensáveis a uma actividade profissional competente. Não vai buscar isso ao seu salário.
Como se constata, só um Secretário de Estado que ganha cerca de 2000 euros líquidos por mês – pois, julgam que estou a brincar é que não pode ter despesas de representação, automóvel, telemóvel ou direito à estadia, enfim terá de consumir os serviços prestados ao Estado do seu ordenado. Terá de pagar a sua missão!
A decisão de José Cesário – que mora a mais de 100kms de Lisboa - pesa financeiramente sobre si próprio. Assumiu-a por solidariedade com o seu Governo, contra a especulação mediática, apesar de a lei lhe conferir o direito de que abdica. Uns ficarão satisfeitos e eu lamento que sintam essa alegria.
DV 2011.10.26

Sem comentários:

Enviar um comentário