sexta-feira, 27 de abril de 2012

PASSOS COELHO E A CONTRAFAÇÃO DA VERDADE! (hoje, no DN, a minha opinião)

"Falar verdade" aos portugueses foi lema de campanha que o governo plagiou de Manuela Ferreira Leite, mas com estratégia bem diferente, diga-se. A coisa, agora, passa-se em inglês. É, certamente, uma homenagem aos socialistas por terem introduzido nas escolinhas a aprendizagem da língua dos personificados “John Bull” e “Tio Sam”.
Quase não há semana que jornal do reino de sua majestade, revista germânica ou diário americano, não publique uma entrevista do primeiro-ministro ou desabafos do ministro das Finanças, dando boa nota de que os seus conterrâneos “não se importam de fazer sacrifícios” se perceberem que valem a pena. E, segundo dizem estes ilustres, Portugal está no "bom caminho", razão pela qual os portugueses andam felizes.
É certo que não se nota muito, mas tal ficará a dever-se ao nosso gosto pela discrição. De facto, quem não rejubila ao confirmar que se divorciou para todo o sempre, de comum acordo, dos subsídios de férias e Natal? Ninguém, se não os próprios, os mesmos que podem sentir a felicidade de poderem vir, finalmente, a reformar-se mais tarde, aos 67 anos. Desejo antigo, como se sabe! E fazem-no com grande desprendimento, porque não só as reformas serão cada vez mais pequenas como, eventualmente, deixarão mesmo de existir. É o mais singelo dos sentimentos.
Depois há sempre aquela alegria de vermos partir os filhos para o estrangeiro, seguindo os conselhos de Pedro Passos Coelho. Sempre se poderão encontrar, de quando em vez, com o ministro Paulo Portas. Por cá nem sempre teriam essa oportunidade! Sim, isto de trabalhar em Portugal é coisa para os antigos, os que ainda o conseguem fazer.
Que orgulho termos os filhos fora de casa e do país, nos vários continentes, levando a língua de Camões cada vez mais longe! É um hino à filantropia portuguesa. Oferecemos ao mundo tudo aquilo que investimos e pagámos na sua formação. Agora não é só a exportação dos nossos pastéis de nata, os “alvarinhos” que conta, temos também a nossa massa critica e a nossa inteligência na diáspora. “Estamos no bom caminho” como tão afetivamente nos lembra o governo.
Será neste ambiente de euforia, poliglota, cosmopolita, que nos reencontraremos todos nos mercados financeiros, a 23 de Setembro de 2013, como nos assegurou Vítor Gaspar. Não desesperemos, é já a seguir, para o ano. E só não sabemos a hora por um eventual lapso que se percebe muito bem - e se desculpa - no meio de tanta azáfama.
E nem vale a pena referir a ousadia de um país tão pequeno como o nosso estar quase a apanhar o nível de desemprego de “nuestros hermanos”, de Rajoy: “la misma derecha, la misma gobernación”. Como este governo é pioneiro será como diz Pedro Passos Coelho: vamos conseguir, “custe o que custar”!
Quase um ano depois ninguém poderá dizer que o governo não trabalhou e que não fez o melhor que sabia e podia. Imaginem o esforço que não terá sido necessário para baixar o saldo da segurança social para um décimo do que existia em 2010, colocando-a na pré-falência; ou, em tão pouco tempo, parar todas as obras nas escolas, desabituar os portugueses do serviço nacional de saúde e conseguir organizá-los em filas para as consultas; ou remediar a situação financeira difícil em que se encontraria Eduardo Catroga atribuindo-lhe, segundo o próprio, um justo preço de mercado de 600 000 euros ano; ou a aposta na inovação, transformando um autarca, cliente-devedor das Águas de Portugal, o maior, em administrador-credor, mesmo depois de ter perdido em tribunal a queixa que apresentara contra a empresa.
Portanto, “estamos no bom caminho” e se nada correr mal, diz o primeiro-ministro, vai correr tudo bem. Ora, pois claro! O governo de Passos Coelho descobriu uma nova indústria: a da contrafação da verdade!
José Junqueiro - 2012-04-20

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