quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Teresa de Sousa - Os “empates técnicos” já não são o que eram

1.Na véspera das eleições gregas muita gente augurou o fim de Alexis Tsipras, o novo fenómeno político europeu, acreditando nas sondagens que lhe davam um perigoso “empate técnico” com a Nova Democracia. O primeiro-ministro grego resolveu arriscar tudo na convocação de novas eleições para legitimar a sua viragem de 180 graus em Bruxelas. Os dissidentes do Syriza formaram um novo partido para o acusar de traição. A Nova Democracia, com um novo líder, parecia mais resistente do que o previsto. Contados os votos, a margem de vitória de Tsipras foi inesperadamente grande. Ganhou a legitimidade de que precisa, com um brinde adicional: a monumental derrota dos dissidentes do Syriza.
As sondagens não conseguiram reflectir nada disto. Para além de razões técnicas que não sei explicar, o que parece óbvio hoje é que a mudança da paisagem política europeia (ainda) não está a ser captada nos inquéritos de opinião. Não é caso único. No Reino Unido, vimos em Maio o “empate técnico” entre os Conservadores e o Labour transformado numa grande vitória para David Cameron e uma derrota histórica para Ed Miliband. Na Espanha, estamos igualmente perante um “empate técnico” entre os dois grandes partidos (PP e PSOE), com os dois movimentos “anti-sistema”, Podemos e Cidadãos, a afirmarem-se nas sondagens, abrindo as portas para as mais variadas surpresas nas eleições de Novembro. Em Portugal, o “empate técnico” é a crónica diária destas eleições.
2. O caso da Grécia parece resultar da conjugação de dois factores: a resignação dos gregos perante a troika, da qual perceberam que ainda precisam; a profunda desconfiança nos partidos que dominaram a Grécia desde a reconquista da democracia, clientelares e corruptos numa escala pouco comum. O curioso é que não é o centro-direita que paga as favas, é o centro-esquerda do PASOK, remetido a pequeno partido, dispensável. Uma ruptura da mesma ordem apenas aconteceu no início dos anos 90 na Itália, na sequência do fim da Guerra Fria. Os socialistas desapareceram, o Partido Comunista (que já era “euro”, ou seja, mais brando) transformou-se no Partido Democrático de Esquerda, cujo líder, Massimo d’Alema, quis que fosse um partido social-democrata. A democracia-cristã pagou o preço de décadas de poder e de vícios. A implosão abriu as portas a Silvio Berlusconi, à direita, e a uma sucessão de coligações à esquerda que nunca se conseguiram entender, a não ser agora com a liderança de Matteo Renzi.
Em Atenas, Tsipras não se converteu certamente à “terceira via”. Elegeu o pragmatismo como a única forma possível de governar, aprendendo à sua própria custa a diferença abissal entre um partido de protesto e um partido de governo. Aceitou as regras do jogo europeias para garantir o lugar da Grécia no euro. A renovação da aliança com um partido nacionalista (os Gregos Independentes) custa a perceber, quando tinha o PASOK e o To Potami, ambos de centro-esquerda, à sua disposição. A escolha pode ser vista como o reflexo da sua desconfiança endémica da social-democracia, cujo lugar quer ocupar. Citado pelo Telegraph, Stathis Kalyavas, cientista político em Yale, define o “incrível paradoxo”: “A Grécia elegeu a mesma coligação de Janeiro, mas para aplicar politicas que são o seu exacto oposto”. Admite que esta contradição “não aguentará muito tempo”: ou o governo aplica as políticas da troika, transformando-se num partido de centro-esquerda, ou não o faz, e acabará por perder o poder. Mas não vale a pena tirar grandes conclusões para o futuro. Se há mudanças imprevistas, há também uma enorme volatilidade eleitoral.
3.Para Tsipras a verdadeira prova só começa agora. Os gregos deram-lhe o benefício da dúvida, à falta de melhor. Mas, se não houver um mínimo de justiça na distribuição dos sacrifícios, a instabilidade política pode regressar depressa. A questão essencial será como pôr a economia a crescer nestas condições, porque é o único caminho para aliviar o fardo demasiado pesado que os gregos suportam desde 2010. Uma das alavancas possíveis é a redução do peso da dívida. A questão foi afastada nas negociações do novo resgate com a promessa vaga de ser tratada mais à frente. Para Tsipras, o “mais à frente” é agora. Irá na próxima quarta-feira a Bruxelas para participar no Conselho Europeu sobre os refugiados. A sua simples presença dirá aos seus parceiros europeus: é mesmo comigo que têm de tratar. “Há coisas que podem correr melhor com alguma indulgência dos credores” lê-se na coluna Charlemagne daEconomist.  “Haverá fundos para recapitalizar a banca, [o governo] pode beneficiar do programa de Quantitativ Easing do BCE e de uma restruturação da dívida, mesmo que não se saiba sob que forma”. Só falta desmentir a maioria dos analistas: o interregno da crise grega não passará do Natal. Depende de Tsipras, mas também de Berlim.

Sem comentários:

Enviar um comentário